quinta-feira, 12 de abril de 2012


"O Telefonema para a minha mãe"
Finalmente falo com alguém, após 06 dias confinado em meu apartamento

Era manhã de 06 de Junho e o vento frio da madrugada ainda tremulava plea janela do apartamento, no quinto andar do meu prédio. Se disser que dormi, não seria aqui de todo honesto, porém a sensação era de ter estado a noite toda na balada. Sabe, quando saímos num sábado a noite e só voltamos noa segunda de manhã? pois eram aqueles mesmos sintomas que pairavam sobre o meu corpo. O gosto amargo da boca entreaberta, banhada pelo sal das minhas lágrimas incomodava, e muito. A falta de banho, ou de qualquer alimento (inclui-se água) já denunciavam a minha total fraqueza. Não tinha mais a certeza de nada, a única coisa que eu sabia é que aquela manhã era dia 06 de Junho, véspera do resultado do meu exame de HIV. Daí, talvez vocês me questionem: Se fiquei tanto tempo isolado, como podia saber? Bem, meus caros leitores, eu esqueceria minhas origens, quem eu era, qualquer coisa, menos que dia era. A única coisa que tinha em minha frente, durante os seis dias em que fiquei isolado do mundo eram a minha bíblia e um calendário, que riscava com caneta a cada dia que se passava daquela semana, desde a coleta para reteste de HIV Elisa do hemocentro. Bem, diante de tanto mal estar, num impulso descontrolado, me levantei do chão do meu quarto, a luz do dia já adentrava pela minha janela, me denunciando que a cidade havia despertado. Com os olhos inchados, levanto a vista e vejo o relógio da estação hidroviária (que fica de frente à minha casa). Marca 07:20 da manhã. Meio atônito, peguei o meu celular num canto da casa, e liguei para a minha família (em Minas Gerais). Minha mãe atende com voz embargada ainda de sono. Vocês podem não acreditar, mas aquele momento era ainda mais difícil para mim... o que diria à minha família? eu sempre fui autossuficiente, o independente. Correto demais pra jogar uma bomba dessas na cabeça deles. Não disse, mas sou filho de Pastor, criado desde nascido em lar evangélico. Pensem num filho que toda mãe quer ter? pois é, este era eu. Saí cedo de casa para trabalhar, com onze anos de idade. sempre ajudei no sustento da casa, e nunca dei motivo à eles para qualquer tipo de preocupação. Como minha família reagiria? como minha mãe receberia uma sentença como esta: MÃE, ESTOU COM AIDS!!!
Sou de família tradicional demais, onde quem tem aids é homossexual, ou drogado, ou seja, como a  maioria da sociedade pensa (até ter alguém na família com HIV - e isso não acontece só com a AIDS, é assim também com o câncer, com a esclerose, tuberculose,  Hepatite, e tantas outras doenças do tipo).
Bom, o certo é que enchi-me de coragem (não sei de onde) e:
-Alô, mãe
Minha voz mal saía, e eu tremia por dentro. Lembrando que o objetivo da ligação era ser o mais breve possível e dizer a ela que no dia seguinte teria o resultado do HIV.
-Oi meu filho, eu estou muito preocupada com você. Estamos há quatro dias tentando falar com você e nada. O que aconteceu com o seu celular? Não pode fazer isso, agente se preocupa, e...
Minha mãe (como todas fazem) começava um festival de repreensões, me questionando o porque de ter ficado tanto tempo incomunicável. Eu, já sem a menor possibilidade de esconder algo de errado, a interrompi:

-Mãe, maaaeee, só me ouve, por favor
Nisso minhas lágrimas já se misturavam ao meu tom de voz, tornado-o monossilábico e redundante.
-Mãe, eu estou muito doente, e talvez comece um período muito difícil da minha vida, onde vou precisar muito do apoio de todos vocês, minha família.
-Meu filho, você está me assustando, o que aconteceu? o que é que você tem? eu disse às meninas (referindo-se às minhas irmãs - ela as chama de meninas - aliás toda a família) que você estava com problemas, eu senti meu filho, deus me mostrou algo de errado.
-Deus te mostrou o que mãe? perguntei, numa tentativa de aliviar minha responsabilidade de ter que pronunciar o nome da minha doença (acreditem, durante dois meses, não conseguia pronunciar a palavra AIDS sem me descontrolar) eu sentia repulsa de pensar na hipótese de estar aidético. Não conhecia nada desta doença e fui educado de forma a abominar a AIDS como uma consequência de uma vida ilícita de fora dos padrões, era como se a AIDS refletisse o lado obscuro da  minha vida, que não queria revelar à ninguém.
-me fale, meu filho, o que você tem? não pode ser, meu Deus......
eu não entendia nada, minha mãe falava como se soubesse que era aids, tudo bem que ela sempre foi uma mulher de oração e de muita comunhão com Deus, mas eu estava perplexo por tanta sintonia.
-Mãe, é uma doença horrível, mas eu ainda não tenho certeza, fiz um exame há sete dias atras e amanhã vou saber o resultado, não quero que conte à ninguém, eu também não o fiz, só estou falando disso com a senhora, não conte pras meninas, nem pro pai, pra ninguém, me promete mãe? pelo amor de Deus... Quero ter certeza primeiro.
-Meu filho você tá me assutando, sua mãe promete, mas me fale você está com cãncer??
-Não mãe, não é câncer...
-Então a minha visão era real, meu filho você tá com ....
-AIDS, mãaaaaeee, tudo indica que eue steja aidético. Meu Deus mae..... Me ajuda, tá doendo demais, eu não consigo pensar nisso, mãe eu não posso ter isso no meu corpo, peça a deus mãe, ele não pode permitir que eu esteja com AIDS.
-meu filho, se acalma.... Você tem, você tem certeza? quem te falou isso, você já foi ao médico?
-Sim, mão ja fui e fiz todos os exames, sai amanhã o último exame, o decisivo.
Meus caros leitores, alí, naquele telefonema, depois de 29 anos de vida, conheci a minha verdadeira mãe, a minha mãe de verdade... Todas as palavras que ela me dizia era como se fosse a verdade absoluta do mundo, entrava como bálsamo, e a sensação era de alívio para as minhas feridas. E ela, então me disse:
-Olha, eu estava de madrugada, há cerca de um mês em casa, sem sono, orava a Deus quando vi em visão, você entrando de malas nas mãos aqui em casa em Minas Gerais, você tava bonito, meu filho, usava uma roupa elegante mas tinha uma expressão triste. então eu perguntei o que houve, à você, e me disse que estava bem, mas que as notícias não eram boas. Você tinha um envelope nas mãos, e nele um exame escrito: POSITIVO. Não foi um sonho, meu filho, porque eu não estava dormindo, foi como um presságio, entende?
-Sim, mãe, como muitos que sempre tive, lembra?
Disse eu à minha mãe, me referindo ás inúmeras noites em claro que eu passava por motivos de insônia e sensações que sentia.
-Sim, eu lembro, meu filho, pois é, deus me mostrou há um mês, mais ou menos sua enfermidade e desde aquele dia minha vida é chorar. Peço a Deus, desde aquele dia, que isso não fosse verdade.
-mas, mãe porque a senhora não me disse isso antes? Sei lá eu teria tomado cuidado, teria feito exames, não teria esperado uma doação de sangue voluntária pra saber disso.
-Não, filho, não quis falar porque não queria dar planos ao inimigo. Mas eu quero que saiba, que quando nasceu te entreguei a Jesus, e ele disse que NÃO CAI UMA FOLHA DE UMA ÁRVORE SEM QUE ELE PERMITA. então, não se desespera, confia em Deus, e sua mãe está com você... Pode ser uma lepra, seu corpo pode vir banhado de feridas fedidas, pode sair baba de sua boca, pode se deitar com quem for, mas mesmo assim, ainda será meu filho, eu te amo e meu amor é maior que todos os seus pecados. Você não está sozinho, meu filho. Não se sinta sozinho pelo amor de Deus, sua mãe está aí com você neste momento.

Meus leitores,
Abracei minha progenitora, naquele momento, pelo telefone, e choramos juntos por quase uma hora, sem nada mais nos dizer um ao outro...
Nos prometemos orar juntos o resto daquele dia, e não contar a ninguém antes do resultado dos exames, no dia seguinte. Minha mãe permaneceu de 07:30 da manhã, daquele dia até quatro da tarde cantando para mim no telefone, e orando a deus, pedindo a paz de espirito e que me acalmasse e me preparasse para o pior. Não sei dizer, ao certo, mas eu não conhecia a minha mãe, antes daquele telefonema, parecia uma outra pessoa, fomos criados de forma seca e muito arraigada, e não nos demonstrávamos muito carinho (em palavras), lógico que nos amávamos desde sempre, mas haviam barreiras demais. Naquele dia, todas elas se romperam e minha mãe, foi a pessoa que me impediu de tirar a minha vida, antes mesmo que o resultado do exame de HIV ficasse pronto.Desliguei o telefone, por volta de quatro e meia da tarde, coloquei um cd evangélico e fiquei orando o resto da tarde e noite, pedindo a Deus que aquilo tudo fosse só um grande pesadelo, e que, dentro de algumas horas, toda a minha vida voltasse ao normal. me atormentava a ideia de que em algumas horas saberia o resultado do meu exame

                                                                                      E continua...


2 comentários:

  1. Essa tua história deveria virar livro! Sabes contar uma história impecavelmente e tua riqueza de detalhes traz ainda mais sentimento ao texto. Sigo acompanhando. Abraço!

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    1. É porque viví tudo isso na real leke, por isso emociona. Obrigado pelo acompanhamento.Logo estarei atualizando, vêm coisas muito mais fortes por aeh. Abraçaum leke.

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